São 5 da manhã. De um dia qualquer, de um mês qualquer, de um ano qualquer. E hei-de contar-vos um dia, a vocês, amigos do peito, o que é viver sem dia, hora, minuto ou segundo sequer. Quando deixar de doer. Quando deixar de doer, eu conto: do tempo em que o tempo se me revelou noutras unidades de medida. Dias e noites. Claridade e sombra. Compassos de espera e instantes.
Só……………………………………………………………….....................
Nos quartos das enfermarias, a morte não dorme: espera e faz companhia. Abeira-se dos corpos entorpecidos, beija todos, com o mesmo carinho…
Enganei-a?! Ah, saí da cama! Vens comigo?! Velar-me a insónia?! Nem penses! Sei velar-me sozinha! Pé ante pé, porque tudo dorme respirando o tranquilo da espera… Não acordes os mortos de amanhã! Enxoto-a. Mando-a deitar-se na cama que dizem ser minha, a tomar conta da Isabelinha. Companheira solidária do espaço da enfermaria e adepta do Sporting. Cancro na vagina. Não merece morrer sozinha. Fica aí, com ela! E fujo. Escapo por um bocado. Quase me rastejo quando passo em frente às outras portas. Das enfermarias. Escancaradas com gente doente por dentro. Tiro os chinelos. O “chinelar “ouve-se quando a morte desperta os sonos… (É a única que nunca dorme, a estúpida!).
Chego ao hall! Respiro. Dum 4ºandar sem jardim. Os jardins estão no 1º piso, onde internam os “mentais”. Esses, têm o acesso mas não podem lá ir. Espreitam a claridade e a sombra por detrás das grades das portas e das janelas. Às vezes, vejo-lhes os braços passeando no espaço com os verdes, muito cá de cima. Prisioneiros desiguais de uma só vida. Estou no hall… Aqui, a luz não nunca se apaga e a morte está na sombra da cama 65. (Deixem-na esperar!). Uma máquina de café. Meto-lhe lá dentro a moedinha. E mesmo de um copo de plástico, soube a mágico… Pendura-se-me do pijama o saquinho ligado ao cateter… Percebi que me libertei dele por o ter esquecido. Mas ainda é cedo. Volto a enfiá-lo na borda da cueca. Assim, embirra menos com o papel e a caneta. Gosto da luz do hall porque me permite ver. Na enfermaria apagam a luz quando a gente não quer.
E alguém mexe por aqui. Ironia: no 4º piso, ao lado da “ala” dos cancros, a maternidade!
São 5 da manhã num relógio qualquer. Alguém vem pôr uma outra moedinha para um outro café: um jovem médico da sala em frente. Sorri-me e diz: isto foi complicado, mas o bebé nasceu bem! Respondo-lhe num sorriso de mãe cansada, uma saúde com café em copo de plástico. Retorno ao corredor escuro e deito-me na cama que a morte me emprestou por uns dias. Aconchego o saquinho na cueca. Ao lado da Isabelinha…
(Tudo o que me apetecia era estar na psiquiatria!).
Ou em casa. A velar-me sozinha.
13 comentários:
Lindíssimo. Que regresses rapidamente à outra medida do tempo.
;)
Ena, miúda!!!!!!!!!!!
Estou sem palavras...
Um beijo
Na outra dobra do tempo, entre a noite e a madrugada, existe um espaço onde o dia começa a dealbar,é o momento da esperança. Agarra-o!
Um beijo.
Escreves pouco, mas quando o fazes dás à luz excelentes textos.
Neste pequeno conto, consegues criar uma atmosfera própria de quem a respira enclausurado e com dificuldade e como se tu própria lidasses de perto com a morte (a tua e/ou a dos outros).
O rabisco ilustra muito bem a história contada.
Beijinhos.
O dia já dealbou? Fico à espera...
Beijinho
Ainda não deixou de doer...?
Como não há novo post...
Bom fim de semana,
Beijinhos.
Mateso:
todos os dias são O DIA!
Nilson:
a dor é tão relativa como o tempo.( A maior parte do tempo nem sei o que a dor é! :)
O novo post só está à espera da inspiração. Eu sou lenta, mas estou a acelerar...devagarinho.
Obrigada pelas visitas!
hoje um desafio aqui
Estou à espera do teu novo post, desta vez contigo "cheia de cor"...
Beijinhos.
De vez em quando espreito para ver se há alguma coisa nova, espero que esteja a correr tudo bem
Um beijo
Isaura
Anda lá Mena, escreve alguma coisa.
Ou um novo rabisco...
Bom resto de semana,
Beijinhos.
atão, pá, e os arrabiscos?
Enviar um comentário