domingo, 13 de abril de 2008

Uma café rabiscado




São 5 da manhã. De um dia qualquer, de um mês qualquer, de um ano qualquer. E hei-de contar-vos um dia, a vocês, amigos do peito, o que é viver sem dia, hora, minuto ou segundo sequer. Quando deixar de doer. Quando deixar de doer, eu conto: do tempo em que o tempo se me revelou noutras unidades de medida. Dias e noites. Claridade e sombra. Compassos de espera e instantes.
Só……………………………………………………………….....................

Nos quartos das enfermarias, a morte não dorme: espera e faz companhia. Abeira-se dos corpos entorpecidos, beija todos, com o mesmo carinho…

Enganei-a?! Ah, saí da cama! Vens comigo?! Velar-me a insónia?! Nem penses! Sei velar-me sozinha! Pé ante pé, porque tudo dorme respirando o tranquilo da espera… Não acordes os mortos de amanhã! Enxoto-a. Mando-a deitar-se na cama que dizem ser minha, a tomar conta da Isabelinha. Companheira solidária do espaço da enfermaria e adepta do Sporting. Cancro na vagina. Não merece morrer sozinha. Fica aí, com ela! E fujo. Escapo por um bocado. Quase me rastejo quando passo em frente às outras portas. Das enfermarias. Escancaradas com gente doente por dentro. Tiro os chinelos. O “chinelar “ouve-se quando a morte desperta os sonos… (É a única que nunca dorme, a estúpida!).

Chego ao hall! Respiro. Dum 4ºandar sem jardim. Os jardins estão no 1º piso, onde internam os “mentais”. Esses, têm o acesso mas não podem lá ir. Espreitam a claridade e a sombra por detrás das grades das portas e das janelas. Às vezes, vejo-lhes os braços passeando no espaço com os verdes, muito cá de cima. Prisioneiros desiguais de uma só vida. Estou no hall… Aqui, a luz não nunca se apaga e a morte está na sombra da cama 65. (Deixem-na esperar!). Uma máquina de café. Meto-lhe lá dentro a moedinha. E mesmo de um copo de plástico, soube a mágico… Pendura-se-me do pijama o saquinho ligado ao cateter… Percebi que me libertei dele por o ter esquecido. Mas ainda é cedo. Volto a enfiá-lo na borda da cueca. Assim, embirra menos com o papel e a caneta. Gosto da luz do hall porque me permite ver. Na enfermaria apagam a luz quando a gente não quer.

E alguém mexe por aqui. Ironia: no 4º piso, ao lado da “ala” dos cancros, a maternidade!

São 5 da manhã num relógio qualquer. Alguém vem pôr uma outra moedinha para um outro café: um jovem médico da sala em frente. Sorri-me e diz: isto foi complicado, mas o bebé nasceu bem! Respondo-lhe num sorriso de mãe cansada, uma saúde com café em copo de plástico. Retorno ao corredor escuro e deito-me na cama que a morte me emprestou por uns dias. Aconchego o saquinho na cueca. Ao lado da Isabelinha…

(Tudo o que me apetecia era estar na psiquiatria!).

Ou em casa. A velar-me sozinha.